UM ESPAÇO PARA MARCAR O TEMPO NO COMPASSO DA VIDA

CONVERSANDO COM O TEMPO

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

VOLTAR PARA CASA


Voltar para casa

Perdida
No labirinto
Deste meu sentimento
Sem pertencimento,
Giro, giro, em espiral
Até cair ao chão,
Morta.
Enfim em casa.
Ao lado de Deus
Acalento Minh ‘alma
Cansada deito em seu colo
Me encontro
E adormeço para sempre.
                                            
Aquilo que um dia fui partiu sem deixar rastro e não mais voltou.
Quem sou eu, onde estou, para onde vou, onde quero chegar.
Estou aqui.
O que é o aqui agora.
Não sinto nada estou seca.

Minh ’alma desértica clama por chuva de verão em pleno inverno.
Esmorecida desprende-se do corpo em busca de solo fértil.
Corpo sem alma, vazio, vaga em busca de sentido.
O espírito abandona o corpo
Matéria


PARA MINHA AMIGA IVANDA


Mensagem de Finados

Tenho uma finada amiga que aniversariava 02/11 e isto sempre a incomodava, se pudesse ela trocaria o dia de seu nascimento no cartório. Chegou a pensar em fazê-lo, mas desistiu visto que entendeu que estaria mentindo pra si mesma. Os anos transcorreram e suas festas de aniversário eram antes ou depois do dia de finados, e nenhum de nós, obviamente, ousava cumprimentá-la no dia 02. O nome dela é Ivanda. Figurassa! Nascida em Divinópolis, foi militante de esquerda na luta contra a ditadura pela democracia a partir dos 16 anos, chegando, nessa época, a viver clandestinamente. Eu a conheci na UFMG, eu na FAFICH ela no ICB, mas como todo militante, a gente não tinha escola, a UFMG era nossa e nós, irmanados pelo sangue revolucionário que corria em nossas veias, éramos um só. Foi uma estudante sem grana, morou no Borges da Costa, espaço da Escola de Medicina da UFMG que os estudantes ocuparam e transformaram na marra em Moradia Estudantil. Por outro lado, era uma mulher romântica, sonhadora vivia esperando encontrar seu grande amor. Após os trinta, encontrou, num passeio a Franca, o Jean François. Um cara bonachão, gente boa, excelente cozinheiro que se apaixonou pela Ivanda e pelo Brasil. Casaram-se, abriram uma Creperia em Santa Teresa, Santê, era seu nome. Não deu muito certo e ele optou por vender Quiches congelados. Ivanda era funcionária pública da Assembleia, ALMG. Ivanda sempre foi muito batalhadora, suas conquistas materiais foram fruto de muito trabalho. Lembro-me que antes de passar no concurso da Assembleia ela ia e voltava de ônibus, do Nordeste, Recife, Fortaleza para comprar os belos artesanatos da região e vende-los aqui. Começou assim, depois foi sofisticando, passou a vender perfumes, comprados em Buenos Aires e finalmente Paris e o Amor. Desse amor nasceu Nataly, uma bela e esperta menina de olhos azuis que deixava seus papais muito preocupados, pois tão logo se entendeu por gente trocou as saias pelos shortinhos. Odiava os vestidos de menina, preferia os confortáveis shorts dos meninos. Finadamente, um dia, há alguns anos atrás, o acaso ou a imprudência sabe-se lá de quem, ou do quê, eles indo de carro na estrada para Divinópolis num feriado qualquer e de repente bum!!! Os três deixaram de existir. A vocês, Ivanda, Nataly (ainda tão pequena) e Jean François dedico minha emoção nesse dia 02/11/2015.
Neuzalima/novembro/2015

ANISTIA


Anistia


Ainda há caminhos a trilhar
Penas a cumprir
Estou em condicional
Não posso me anistiar.

Será que consigo
Por quanto tempo será
Um mês, um ano
Quem saberá.

Abstinência penitência
Vou ter que cumprir
Ou não vou me libertar
Deste fantasma a me consumir

É como parar de fumar,
De beber
De comer doce
Como posso saber
É a primeira ves que vou tentar.

Não é meu
Me foi ensinado
Gostei
Passou a ser usado

Tornou-se parte de mim
Trouxe para o presente
O meu passado
Em um gozo maledicente.


Quando criança, em nosso quarto de dormir havia um quadro pendurado na parede, chamado Dois Caminhos. Era tradicional na maioria das casas das famílias católicas mineiras este quadro.
Seu objetivo era nos lembrar de que existiam dois caminhos. Um tortuoso, embora verde e primaveril, que nos levaria ao céu, ao paraíso; outro, largo com placas de boas vindas, plano, cheio de gente em festas e em alegria, mas que nos levaria ao inferno.
Este quadro dos dois caminhos sempre me inquietou e foi motivo de desentendimento entre mim e a religião católica desde tenra idade.
Na verdade, o que eu queria era fazer um atalho entre o caminho para o céu e o inferno, ou seja, entrar pelo caminho do inferno, que era muito mais divertido e lá no arco Iris saltar para o céu, o paraíso. Não se pode servir a dois senhores, me diziam. Uma vida desregrada não pode levar ao paraíso, é preciso conquistá-lo na caminhada da vida.
Mas para mim continuava a dúvida. Por que se tem que sofrer para ser feliz na eternidade, para conquistar o paraíso?
Já na adolescência, o encontro com um sábio padre trouxe-me uma explicação inteligente. Falou-me ele que não se tratava de sofrimento e sim de sabimento, ou seja, de sabedoria:
- Se você vive uma vida de excessos seja em qualquer campo, você adoece e conhece o inferno em vida. Se ao contrário você vive uma vida mais regrada, você poderá conhecer o seu contrário, ou seja, o paraíso em vida.
O mesmo se aplicaria, segundo ele, na pós-vida. Se você trilhar em vida caminhos mais virtuosos sua alma, que ele no caso acredita existir, o que não é o meu caso, descansará em paz no paraíso dos céus; se ao contrário sua caminhada em vida for viciosa, sua alma viverá em tormento, ou seja, no inferno.
Mas, lembrou-me ele:
- Não nos esqueçamos de que, assim como na vida terrena, na outra vida também cabem recursos. Existe o purgatório, e o perdão poderá vir se sincero for o seu arrependimento. Todavia, uma pena terá que ser cumprida até que consiga alcançar o paraíso. Mas dependendo da vida terrena que levastes, nem direito a recursos terás, irás direto para o inferno.
Suas explicações me trouxeram certo alívio, pois me garantiu que, mesmo tendo uma vida desregrada, dependendo do desregramento, o tal atalho do caminho do inferno para o paraíso é possível. E como meus desregramentos, não são lá grande coisa, provavelmente serão passíveis de recursos e pagando uma pequena pena no purgatório conquistarei o paraíso e finalmente o reino dos céus.
A existência/conquista do céu, do paraíso, ou o seu contrário, o inferno, vai além do seu sentido estrito religioso, pois tem um caráter estruturador da vida em sociedade, tanto no seu presente, quanto no seu futuro enquanto humanidade. Alguém disse que a religião existe para que os pobres não matem os ricos. Sou obrigada a concordar.
 Já eu, sou agnóstica por natureza.

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Recomendações para a minha morte


Recomendações para a minha morte

Neuza Lima/2018

O sol apressado saiu quando eu ainda estava em nuvens. Afastei as cortinas nebulosas que o cobriam abri uma pequena fresta deixei-o entrar ardendo meus olhos ainda dormentes tentando pôr em pé meu corpo sonolento quase inconsciente.
Não consegui. A cama, os lençóis, o calor uterino daquele lugar não deixava meu corpo vir à luz. Faltava-lhe razão, sentido para a-cordar, re-nascer. Afinal renascemos a cada manhã. Detive-me ali, consciente da entrega preguiçosa e modorrenta naquela lama chamada cama.
Por sorte, tal como eu, o sol se escondeu justificando assim minha modorra uterina. Deleitei-me sem culpa. E enroscada em minhas mortalhas pus-me a pensar na morte. Sim, na morte. Por que não, de tudo é o que de mais certo temos.
Estas duas sílabas, morte, eu me propus atravessar. Como seria morrer, deixar de existir, ser o não ser e não to be or not to be. Que vazio seria este? Mortos não sentem.  Morrer é deixar de ser, de e-xistir. Pensando assim confesso que senti uma sensação de prazer de calma, de paz. O único problema é que não tem volta. Esta prerrogativa não me agradou. Preferi ficar com as experiências das “pequenas mortes”, embora breves, sempre nos trazem de volta.
Mesmo assim não me furtei em pensar sobre a minha morte o ambiente era convidativo. Será que eu faria falta? Talvez por um tempo sim, mas como acontece com todos, com o tempo eu também seria esquecida. E para mim, a morta, o que aconteceria, para onde eu iria?
Considero-me agnóstica, portanto céu e inferno está descartado, alma nem pensar. E tudo isso que sou, fui, no caso de estar morta, para onde iria? Existiriam campos de energia no qual minha memória estaria inserida e viveria solta no espaço?
Não sei. Desisti desta ideia, não tenho respostas para isso, mera imaginação.
Resolvi então pensar sobre o meu enterro, isso sim eu poderia planejar, não garantir, mas almejar. Aqui expresso meus desejos féretros.
O primeiro deles é que desejo ser cremada. Não vou brotar, portanto não quero que me plantem na terra.
O velório, se possível gostaria que fosse evitado, mas sei que é prerrogativa dos que ficam, que assim seja, mas com uma condição quero deixar antes a lista dos convidados, não quero desconhecidos olhando para minha cara murcha, finada.
Outra condição são as flores, quero apenas margaridas, e todas longe do meu rosto, elas me incomodam tanto pelo perfume quanto pelas pétalas.
A mortalha já está separada, guardada e avisada a todos. É um tailleur rosa champanhe em seda chantum muito elegante, com uma linda gola. Nunca usei, comprei para o segundo casamento de minha filha, mas na última hora achei que me envelheceu. Resolvi comprar outro no mesmo estilo só que verde petróleo com detalhes em dourado que se fez acompanhar de um belo chapéu me dando um ar mais rainha Elizabeth nos tempos áureos e menos doce senhorinha do interior da Inglaterra dos filmes de Jane Austen, que o rosa me deu.
Assim a cara roupa comprada na Mary Caetano resolvi não trocar e guardá-la para esta finalidade ser a minha mortalha. Este tom suave e doce ficará bem em contraste à rigidez do meu corpo morto. É claro, acompanhado de colar e brincos de pérolas, falsos, os verdadeiros ficam de herança.
Minhas cinzas desejo que sejam jogadas ao mar, em uma solenidade alegre com bebidas, música e danças.
Os amigos, amigas e parentes que deverão levar as cinzas também já estão escolhidos e registrados em papel. Quero em minha despedida os amigos que ao longo da vida foram como os bonsais e carvalhos, frágeis e fortes. Ninguém quer amigo forte o tempo todo, afinal, às vezes, é você quem quer ser o forte. Se algum for antes de mim, já coloquei possíveis substitutos.
O mar, o de Marataizes foi lá onde primeiro vi o mar. Que emoção, menininha, não queria parecer bobinha, mas não me contive, respirei fundo e disse:
 – Parece não ter fim, onde ele acaba?
- Lá do outro lado do mundo. Meu pai disse.
E eu nem sabia que o mundo tinha outro lado. O mundo para mim era tudo que eu conhecia e era muito pouco.
A música já está escolhida, mas é segredo só será revelado na hora certa.
Desejo ainda que seja em um fim de tarde, ao pôr o sol, quando ele deita seus raios brilhantes ao mar traçando um caminho colorido em direção ao infinito. Minhas cinzas percorrerão esse colorido caminho até o outro lado do mundo onde renascerá sem corpo e sem alma e em pura poesia vai renovar brilhar de novo o arco iris.
Assim poderei ser eterna, infinita. Afinal, eternidade, é o desejo maior do homem.


quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Seu Joaquim e seus abismos.


Seu Joaquim era um homem abissal, gostava de profundezas, vivia nelas. Tinha uma pequena venda, onde havia de tudo um pouco. já tinha sido homem de posses, teve fazenda do café tão grande que a vista não alcançava. Mas um dia, deixando de ser abissal, saiu para o mundo das redondezas, quis subir e descer, conquistar novas terras atravessar o fosso e conhecer a liberdade.

Vendeu sua fazenda de café comprou um caminhão e resolveu ser transportador de café. Tornou-se outro homem, mais alegre, mais comunicativo, conheceu outras paragens, outros portos, outros amores. Quis o destino que, numa curva qualquer seu caminhão desgovernado fosse parar no abismo do qual ele tinha fugido. Só ele sobreviveu, por que ele conhecia o abismo. Já seu caminhão, nada restou ficou lá naquele abismo para sempre.

De volta ao seu mundo abissal, sem nada no bolso ou nas mãos, seu Joaquim construiu uma casa de tábuas na cidade. Na lateral da frente da casa levantou uma tábua e ali montou sua vendinha. Passava seus dias ali pensativo a picar cebolas cruas e comê-las, para o espanto de todos, quando não estava atendendo os clientes, que eram poucos. No quintal criavam porcos, galinhas, patos e outros animais de terreiro. Creio que havia uma cabra, que dava leite, mas não tenho certeza.

Sua desfaçatez de trocar o certo pelo errado, no entendimento de sua redonda esposa. provocou um abismo intransponível entre os dois, jamais superado e visível pelas camas separadas no quarto de dormir, e pelos diálogos ríspidos entre eles, no cotidiano.

Mas tinham uma parceria, ela fazia os doces e salgados para a venda e ele ficava ali sem muita conversa pronto a vender o que lhe pediam. Não tinha muita paciência, se a pessoa não sabia o que queria e ficava a perguntar o preço disso e daquilo, ele não hesitava em lhe dizer, volte quando souber o que quer.

O que deixava sua redonda esposa, minha avó, desgostosa. Assim vai perder cliente, dizia ela. Não importa, repetia ele. Se não sabe o que quer, melhor não vir me perturbar. Mas era generoso com as crianças. Às escondidas, pois sua esposa não gostava, dava-lhes balas e chicletes de graça. A presença das crianças retirava-lhe de seu abismo, devolvia-lhe a alegria de pensar que tudo poderia começar de novo naqueles pequeninos.

Um dia o abismo chegou de vez, picando uma cebola, como sempre fazia, não conseguiu leva-la à boca, sua mão pendeu-se, seu corpo caiu e como costumam dizer no interior, morreu como um passarinho. Seu Joaquim trazia em seu rosto no leito de morte um sorriso de quem estava feliz, de quem voltou para seu abismo para sempre, e lá reencontrou seu caminhão símbolo de sua liberdade.

Vida em Família


  Vida em família

Neuza Lima/setembro/2018

Ai que saudades eu tenho
Da vida em família
Pai, mãe, irmãos
Muita música e alegria
A gente era feliz e sabia

Nas festas microfone não podia faltar
Do sertanejo ao Roberto Carlos
Todos queriam cantar
E com sua música preferida
A todos encantar

O dia varava a noite
A noite varava o dia
Parecia uma disputa
Para ver quem mais bebia

Nas festas natalinas
Todos se reuniam
Tinha amigo oculto
Que no fundo todos sabiam

O presente era que menos importava
O que contava era a alegria
Em descrever seu oculto amigo
Com orgulho e galhardia

A mesa era farta
Leitoa, cabrito e carneiro
Doces de todos os tipos
E no dia 25 a bacalhoada era certeira

Sempre tinha alguém
Que alegrava a criançada
E se vestia de papai-noel
Para os que ainda acreditava

Mas os primos malvados
Aguardavam o dia
De revelar para os maiorzinhos
Que ele não existia

A mãe-avó sempre sorrindo
Feliz com a casa cheia
Mas mal sabia ela
Que depois que ela dormia
E que a bebida subia
Rolava altas brigas
Entre os irmãos de cara cheia

E os pais um dia se foram
Só restaram as lembranças
E muita discussão
Na divisão das heranças

Os irmãos se separaram
Na divisão dos bens
Não houve acordo entre as partes
E não mais se deram bem

Só ficou uma saudade
Que dói fundo na alma
E por mais que se tente
Nada mais acalma.

Este é o nosso presente
E o futuro não pressente
Algo diferente no ar
Para animar um pouco a gente

Já pensei em acender velas
E rezar a todas as ordens
Mas o assunto exige
Não lei de Deus, mas dos homens.

Diante desta realidade
Sinto-me como uma fatia
De um bolo de aniversário
Desprezada num pratinho
Que ninguém quis degustar

Não há salvação
Nada posso fazer
Apenas assistir
O bolo desmoronar
Sem repartir

Queria ser super women
Com poderes magistrais
E repartir esse bolo
Em partes iguais.

Sorry, não sou super women.

Lembranças

Lembranças E como pó nossas lembranças desvanecem. Voam para longe, Para um lugar Que não se sabe onde, A cada vez que alguém ...